Nutrição e Esporte Uma abordagem bioquímica

PS: COMO ESTE ARTIGO É MUITO EXTENSO, COLOCAREI EM PARTES PARA UMA MELHOR COMPREENSÃO.

PARTE 1

1. Contração Muscular e Fibras
Os músculos são órgãos constituídos principalmente por tecido muscular, especializado em contrair e realizar movimentos, geralmente em resposta a um estímulo nervoso. Os músculos podem ser formados por três tipos básicos de tecido muscular:

Tecido Muscular Estriado Esquelético
Apresenta, sob observação microscópica, faixas alternadas transversais, claras e escuras. Essa estriação resulta do arranjo regular de microfilamentos formados pelas proteínas actina e miosina, responsáveis pela contração muscular. A célula muscular estriada chamada fibra muscular, possui inúmeros núcleos e pode atingir comprimentos que vão de 1mm a 60 cm.

Tecido Muscular Liso
Está presente em diversos órgãos internos (tubo digestivo, bexiga, útero etc) e também na parede dos vasos sanguíneos. As células musculares lisas são uninucleadas e os filamentos de actina e miosina se dispõem em hélice em seu interior, sem formar padrão estriado como o tecido muscular esquelético. A contração dos músculos lisos é geralmente involuntária, ao contrário da
contração dos músculos esqueléticos.

Tecido Muscular Estriado Cardíaco
Está presente no coração. Ao microscópio, apresenta estriação transversal. Suas células são uninucleadas e têm contração involuntária.



Músculo Esquelético
Antes de prosseguirmos devemos nos recordar que os músculos esqueléticos não podem
executar suas funções sem suas estruturas associadas. Os músculos esqueléticos geram a força que deve ser transmitida a um osso através da junção músculo-tendão. As propriedades destes elementos estruturais podem afetar a força que um músculo pode desenvolver e o papel que ele tem em mecânicos comuns.



O movimento depende da conversão de energia química do ATP em energia mecânica pela ação dos músculos esqueléticos. O corpo humano possui mais de 660 músculos esqueléticos envolvidos em tecido conjuntivo. As fibras são células musculares longas e cilíndricas, multinucleadas que se posicionam paralelas umas às outras. O tamanho de uma fibra pode variar de alguns mm como nos músculos dos olhos a mais de 100 mm nos músculos das pernas.

Composição Química
Cerca de 75% do músculo esquelético e composto por água e 20%, proteína. Os 5% restantes consistem em sais inorgânicos, uréia, acida lático, fósforo, lipídeos, carboidratos, etc. As proteínas mais abundantes dos músculos são: miosina (60%), actina e tropomiosina. Além disso, a mioglobina também esta incorporada no tecido muscular (700 mg de proteína para 100g tecido).

Aporte Sanguíneo
Durante o exercício, a demanda por oxigênio é de 4.0L/min e a tomada de oxigênio pelo músculo aumenta 70 vezes, 11mL/110g/min, ou seja, um total de 3400mL por minuto. Para isso, a rede de vasos sanguíneos fornece enormes quantidades de sangue para o tecido. Aproximadamente 200 a 500 capilares fornecem sangue para cada mm2 de tecido ativo. Com treinamentos de resistência, pode haver um aumento na densidade capilar dos músculos treinados. Além de fornecer oxigênio, nutrientes e hormônios, a microcirculação remove calor e produtos metabólicos dos tecidos. Há estudos utilizando microscopia eletrônica que mostram que em atletas treinados, a densidade de capilares é cerca de 40% maior do que em pessoas não treinadas. Essa relação era aproximadamente igual à diferença na tomada máxima de oxigênio observada entre esses dois grupos.

Para entender a fisiologia e o mecanismo da contração muscular, devemos conhecer a estrutura do músculo esquelético.Os músculos esqueléticos são compostos de fibras musculares que são organizadas em feixes, (fascículos).

Os miofilamentos compreendem as miofibrilas, que por sua vez são agrupadas juntas para formar as fibras musculares. Cada fibra possui uma cobertura ou membrana, o sarcolema, e é composta de uma substância semelhante à gelatina, sarcoplasma. Centenas de miofibrilas contráteis e outras estruturas importantes, tais como as mitocôndrias e o retículo sarcoplasmático, estão inclusas no sarcoplasma.

Ultraestrutura
Cada miofibrila contém muitos miofilamentos. Os miofilamentos são fios finos de duas moléculas de proteínas, actina (filamentos finos) (figura4) e miosina (filamentos grossos), que forma um filamento bipolar (figura 5). Há outras proteínas envolvidas na contração muscular: troponina e tropomiosina, que se localizam ao longo dos filamentos de actina (figura 4), dentre outras.


Os filamentos de actina são polímeros de moléculas globulares de actina que se enrolam formando uma hélice. A tropomiosina é um dímero helicoidal que se une cabeça a cauda formando um cordão. A troponina é um trímero que se liga a um sítio specífico em cada dímero de tropomiosina.


Filamento grosso de miosina. As moléculas de miosina se associam cauda a cauda para formar o filamento.

Ao longo da fibra muscular é possível observar bandas claras e escuras, o que dá ao músculo a aparência estriada (figura 6). A área mais clara é denominada banda I e a mais escura, A. A linha Z bissecciona a banda I e fornece estabilidade à estrutura. A unidade entre duas linhas Z é denominada de sarcômero, a unidade funcional da fibra muscular. A posição da actina e miosina no sarcômero resulta em filamentos com sobreposição. A região A contém a zona H, onde não há filamentos de actina. Essa zona é bisseccionada pela linha M que delineia o centro do sarcômero e contém estruturas protéicas para suportar o arranjo dos filamentos de miosina.

Etapas da Contração Muscular
1) Um potencial de ação trafega ao longo de um nervo motor até suas terminações nas fibras musculares;

2) Em cada terminação, o nervo secreta uma pequena quantidade de substância
neurotransmissora: a acetilcolina;

3) Essa acetilcolina atua sobre uma área localizada na membrana da fibra muscular, abrindo numerosos canais acetilcolina-dependentes dentro de moléculas protéicas na membrana da fibra muscular;

4) A abertura destes canais permite que uma grande quantidade de íons sódio flua para dentro da membrana da fibra muscular no ponto terminal neural. Isso desencadeia potencial de ação na fibra muscular;

5) O potencial de ação cursa ao longo da membrana da fibra muscular da mesma forma como o potencial de ação cursa pelas membranas neurais;

6) O potencial de ação despolariza a membrana da fibra muscular e também passa para profundidade da fibra muscular, onde o faz com que o retículo sarcoplasmático libere para as miofibrilas grande quantidade de íons cálcio, que estavam armazenados no interior do retículo sarcoplasmático;

7) Os íons cálcio provocam grandes forças atrativas entre os filamentos de actina e miosina, fazendo com que eles deslizem entre si, o que constitui o processo contrátil;

8) Após fração de segundo, os íons cálcio são bombeados de volta para o retículo sarcoplasmático, onde permanecem armazenados até que um novo potencial de ação chegue; essa remoção dos íons cálcio da vizinhança das miofibrilas põe fim à contração.

Mecanismos da Contração Muscular
A teoria mais aceita para a contração muscular é denominada sliding filament theory, que propõe que um músculo se movimenta devido ao deslocamento relativos dos filamentos finos e grossos sem a mudança dos seus comprimentos. O motor molecular para este processo é a ação das pontes de miosina que ciclicamente se conectam e desconectam dos filamentos de actina com a energia fornecida pela hidrólise de ATP. Isto causa uma mudança no tamanho relativo das diferentes zonas e bandas do sarcômero e produz força nas bandas Z.


Sliding filament theory como modelo de contração muscular. Os filamentos de actina e de miosina deslizam uns sobre os outros sem diminuição no tamanho do filamento.

A miosina tem um papel enzimático e estrutural na ação muscular. A cabeça
globular tem atividade de ATPase ativada por actina no sitio de ligação a actina e
fornece a energia necessária para a movimentação das fibras.

Seqüência de eventos na contração muscular
1)Com o sítio de ligação de ATP livre, a miosina se liga fortemente a actina;

2) Quando uma molécula de ATP se liga a miosina, a conformação da miosina e o sítio de ligação se tornam instáveis liberando a actina;

3) Quando a miosina libera a actina, o ATP é parcialmente hidrolisado
(transformando-se em ADP) e a cabeça da miosina inclina-se para frente;

4) A religação com a actina provoca a liberação do ADP e a cabeça da miosina se
altera novamente voltando à posição de início, pronta para mais um ciclo.

5) Todo este ciclo leva ao deslocamento dos filamentos e o músculo contrai;

6) A ativação continua até que a concentração de cálcio caia e libere os complexos
inibitórios troponina-tropomiosina, relaxando o músculo.


O ciclo de mudanças nas quais a molécula de miosina “caminha” sobre os filamentos de actina (Baseado em I. Rayment et al., Science 261:50-58, 1993).

Tipos de Fibras Musculares
Há diferentes e controversos critérios para a classificação do músculo esquelético humano. Baseados nas características de contração e metabolismo podemos classificar dois tipos de fibras, as de contração rápida e lenta.

Uma técnica comum para estabelecer o tipo de fibra é baseada na sensibilidade diferencial a alteração de pH da miosina ATPase. São as características dessa enzima que determinam a velocidade de contração do sarcômero. Nas fibras rápidas (fast-twitch), a miosina ATPase é inativada por pH ácido mas é estável em pH alcalino, essas fibras coram escuro para esta enzima. Para fibras lentas (slow-twitch) a atividade da miosina ATPase permanece alta em pH ácido e fica estável em pH alcalino.

As fibras rápidas são conhecidas como células musculares brancas porque elas contém relativamente pouco de mioglobina, proteína que se torna vermelha quando na presença de oxigênio. As fibras lentas são chamadas de células musculares vermelhas, porque elas contêm muito mais desta proteína. As células podem ajustar-se à característica rápida ou lenta através de mudanças de expressão gênica de acordo com o padrão de estimulação nervosa que elas recebem.

Características dos diferentes tipos de fibra muscular
Cada esporte exige uma demanda de energia, esforço e obviamente uma velocidade de contração muscular diferente. Sendo assim é mais do que lógico imaginar que existem tipos diferentes de fibras que compõem a musculatura. Como observado na figura 10, cada atleta possui uma percentagem específica de fibras de contração rápida e lenta.

Slow-twitch – tipo I
- Metabolismo aeróbio;
- Baixa atividade de miosina ATPase;
- Baixa velocidade de captação e liberação de cálcio;
- Capacidade glicolítica menor do que na fast-twitch;
- Número grande de mitocôndrias, tamanho das organelas é maior
- A concentração de mitocôndria e citocromos combinada com alta pigmentação por mioglobina são responsáveis pela coloração característica;
- Alta concentração de enzimas mitocondriais para o metabolismo aeróbio;
- Usadas para treino de resistência;
- SO : slow speed of shortening;
- Adaptadas ao exercício prolongado.

Fast-twitch – tipo II
- Alta capacidade de transmissão eletroquímica dos potenciais de ação;
- Alta atividade de miosina ATPase;
- Alta velocidade de liberação e captação de cálcio (reticulo endoplasmático
desenvolvido);
- Gera energia rapidamente para ações rápidas e potentes;
- Velocidade de contração é de 3 a 5 vezes maior que na slow-twitch;
- Sistema glicolítico de curta duração bem desenvolvido;
- Metabolismo anaeróbio;

Tipo IIA
Intermediaria: contração rápida e capacidade aeróbia moderada (alto nível SDH) e anaeróbia (PFK) = FOG (fast oxidative glicolytic fiber)

Tipo IIB
Potencial anaeróbio maior – verdadeira fast – twitch FG (fast glicolytic)

Tipo IIC
Rara e não diferenciada; envolvida na inervação motora.

Tipo de fibra pode ser mudado?
Treinamento: pode induzir mudanças, mas há controvérsias. Pode ser que só haja um aumento na capacidade aeróbia das fast. Ou vice versa. Altamente determinado pelo código genético. Idade não é impedimento.

Diferenças entre grupos atléticos 45 a 55% de slow-twitch slow twitch – atletas de resistência.

Hipertrofia x Hiperplasia

Hipertrofia é um aumento no tamanho e volume celular enquanto que
Hiperplasia é um aumento no número de células.

Se você olhar para um fisiculturista e para um maratonista, de cara dá para notar que a especificidade de um treinamento produz efeitos diferentes em cada atleta. Um treinamento aeróbico resulta em um aumento de volume/densidade mitocondrial, enzimas oxidativas e densidade capilar (devido a um aumento no número de hemácias). Atletas de resistência também possuem as fibras de seus músculos treinados, menores quando comparadas com as de pessoas sedentárias. Por outro lado, fisiculturistas e outros levantadores de peso, têm músculos muito maiores. Sabe-se que o aumento de massa é devido primariamente à hipertrofia das fibras, mas há situações onde a massa muscular também aumenta em resposta a um crescimento no número de células.

Apesar de hiperplasia ser uma grande controvérsia entre pesquisadores da área, em modelos animais já foi demonstrado que sob certas condições podem ocorrer tanto hipertrofia quanto hiperplasia das fibras musculares, com um aumento de até 334% para massa muscular e 90% para o número de fibras.

Uma das evidências da existência da Hiperplasia em seres humanos, é que este processo também pode contribuir para o aumento de massa muscular. Por exemplo, um estudo feito em nadadores, revelou que estes tinham fibras do tipo I e IIa do músculo deltóide menores que as de não nadadores, entretanto o tamanho deste músculo era muito maior nos nadadores. Por outro lado, alguns pesquisadores mais céticos atribuem o fato de fisiculturistas e outros atletas deste tipo possuírem fibras de tamanho menor ou igual ao de indivíduos não treinados à genética: estes atletas simplesmente nasceram com maior número de fibras.

Existem dois mecanismos primários pelos quais novas fibras podem ser formadas. No primeiro, fibras grandes podem se dividir em duas ou mais fibras menores. No segundo, células satélite podem ser ativadas. Células satélite são “stem cells” (células-tronco) miogênicas envolvidas na regeneração do músculo esquelético. Quando você danifica, estira ou exercita as fibras musculares, células satélite são ativadas. Células satélite proliferam e dão origem a novos mioblastos. Estes novos mioblastos podem tanto se fundir com fibras já existentes quanto se fundir com outros mioblastos para formar novas fibras.