ATUAÇÃO DA EQUIPE MULTIDISCIPLINAR NA TERAPIA NUTRICIONAL DE PACIENTES SOB CUIDADOS INTENSIVOS


Mesmo com os avanços da terapia nutricional e metabólica nas últimas décadas, a desnutrição continua sendo comum em pacientes hospitalizados, com prevalência variando entre 30% e 65% nos diferentes estudos, e podendo estar presente no momento da admissão hospitalar ou desenvolver-se no decorrer da internação. Em estudo realizado pela Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (SBNPE), observou-se que aproximadamente 30% dos pacientes hospitalizados tornavam-se desnutridos nas primeiras 48 horas de internação. Em três a sete dias esse porcentual aumentava em 15%, chegando a 60% depois de quinze dias de internação.

Pacientes com infecções graves, traumatismos ou em pós-operatório de grandes cirurgias são particularmente vulneráveis a desenvolver desnutrição. Ingestão diminuída, restrição de oferta hídrica, instabilidade hemodinâmica, diminuição da absorção e interação droga-nutriente podem ser situações de risco nutricional. Além desses fatores, a pouca atenção dos profissionais de saúde ao cuidado nutricional - levando à indicação inadequada, à falta de avaliação nutricional e à monitoração pouco freqüente – é comumente observada e pode contribuir para a desnutrição.

Dada a complexidade dos fatores envolvidos na monitoração do paciente hospitalizado e no tratamento da desnutrição hospitalar, a formação de uma equipe multidisciplinar pode ser fundamental para assegurar atenção adequada aos pacientes hospitalizados. O trabalho conjunto de especialistas com formações distintas permite integrar, harmonizar e complementar os conhecimentos e habilidades dos integrantes da equipe para cumprir o objetivo proposto, que é o de identificar, intervir e acompanhar o tratamento dos distúrbios nutricionais.

Atualmente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) regulamenta a formação de Equipe Multidisciplinar de Terapia Nutricional (EMTN), obrigatória nos hospitais brasileiros. Essa regulamentação é regida pelas portarias 272 (Regulamento Técnico de Terapia de Nutrição Parenteral) e 337 (Regulamento Técnico de Terapia de Nutrição Enteral). Fazem parte das atribuições da EMTN: definir metas técnico-administrativas, realizar triagem e vigilância nutricional, avaliar o estado nutricional, indicar terapia nutricional e metabólica, assegurar condições ótimas de indicação, prescrição, preparação, armazenamento, transporte, administração e controle dessa terapia; educar e capacitar a equipe; criar protocolos, analisar o custo e o benefício e traçar metas operacionais da EMTN.

Na maioria dos hospitais brasileiros, a EMTN funciona como uma equipe de apoio, ou seja, a equipe assistencial conduz o doente, e a EMTN, por sua vez, estabelece diretrizes gerais e protocolos de conduta nutricional. Em outros hospitais, a EMTN tem atuação clínica avaliando diretamente os doentes mediante solicitação da equipe assistencial.

O suporte nutricional e metabólico adequado, principalmente em pacientes sob cuidados intensivos exige um planejamento que deve incluir avaliação e monitoramento sistemáticos do estado metabólico e nutricional. Contudo, freqüentemente são observadas falhas nesse aspecto. Estudos revelam que, quando não há monitoramento por EMTN a avaliação nutricional é feita em 3% a 7% dos pacientes hospitalizados. Já na presença dessa equipe, a avaliação ocorre em 37% a 68% dos doentes.

Tais pacientes apresentam limitações de ingestão e absorção dos nutrientes, o que os coloca em risco nutricional. Existem métodos para repor ou suplementar as necessidades individuais, porém, quando usados de maneira imprópria, podem levar a complicações metabólicas, infecciosas e mecânicas. Os trabalhos que compararam a administração da terapia nutricional e metabólica, com ou sem a presença de uma equipe multidisciplinar, mostraram diminuição significante de complicações metabólicas, redução da incidência de infecção e das complicações mecânicas.

Além de redução das complicações, alguns estudos mostraram que a presença de equipe multidisciplinar aumentou a freqüência de avaliação nutricional, proporcionou oferta mais adequada de nutrientes, indicação mais apropriada de NP e diminuição de custos.

Embora tenha havido progresso na qualidade da terapia nutricional ao longo do tempo, estudos revelam que a abordagem multidisciplinar tem se restringido principalmente à população adulta. Em crianças, especialmente no período neonatal, há maior necessidade de NP, atraso de crescimento secundário à prematuridade e intolerância à NE, fatores que tornam preocupante a ausência do cuidado multidisciplinar.

Em que pesem os efeitos benéficos da equipe multidisciplinar na qualidade da terapia nutricional, nem todos os hospitais contam com uma equipe atuante. Estudos em países europeus têm revelado pouca aceitação da EMTN nos hospitais, fato atribuído ao possível aumento dos custos hospitalares. Por outro lado, há evidências recentes que sugerem que a atuação de uma equipe multidisciplinar na nutrição parenteral é um fator de redução de custos hospitalares.

É oportuno ressaltar que a atuação dessa equipe nos hospitais em que a EMTN tem atuação direta no acompanhamento dos doentes, principalmente na área específica de cuidados intensivos, é um fato inovador e requer tempo para adaptação do corpo clínico envolvido no cuidado dos pacientes. Inicialmente podem ocorrer problemas de aceitação da EMTN por parte da própria equipe assistencial, o que pode prejudicar o trabalho e a qualidade da atenção ao doente. Para a atuação ser efetiva, é necessária a convivência harmoniosa entre essa equipe e o corpo clínico e assistencial. Por vezes, a equipe assistencial, responsabilizada pelo acompanhamento diário dos pacientes, pode se sentir insatisfeita frente às mudanças nas rotinas. Esse seria um dos motivos para a não aceitação da EMTN.

A pouca informação sobre nutrição durante a graduação profissional pode acarretar
desinteresse por essa área e provavelmente aumentar a chance de indicação inadequada da terapia nutricional. Essa observação pode ser estendida ao nutricionista, que habitualmente não tem experiência com o uso de NP. Há também deficiência quantitativa no quadro de nutricionistas atuando na área clínica, com conseqüente prejuízo na assistência nutricional.

Há que se considerar também a pouca ênfase ao trabalho em equipe durante a graduação e pós-graduação; o trabalho em conjunto deveria ser mais explorado ao formar os profissionais que irão para o ensino e para a assistência. Ao perceber a necessidade de profissionais aptos a exercerem a prática clínica, relacionando-a aos avanços da pesquisa, uma universidade americana criou o doutorado em nutrição clínica. O programa de doutorado habilita o pós-graduando a trabalhar na prática clínica juntamente à pesquisa25. Essa estratégia poderia melhorar os modelos assistenciais que priorizam o trabalho em equipe, refletindo no ensino, pesquisa e na assistência em geral.

O processo de implantação dessa equipe deve ser gradual e as dificuldades deverão ser resolvidas pela informação e pela educação continuada em nutrição. As informações devem ser transmitidas e trabalhadas em conjunto com os profissionais das diversas áreas, de modo a favorecer a integração de todos os envolvidos no cuidado do paciente. A aplicação de protocolos, a integração e a colaboração entre os membros da equipe multidisciplinar e a equipe assistencial já existente no serviço na solução dos problemas devem se incorporar à rotina de trabalho, contribuindo assim para a melhoria na qualidade da assistência prestada aos doentes.

TN= terapia nutricional; NE= nutrição enteral; NP= nutrição parenteral.

Revista de Nutrição
Autores: Heitor Pons LEITE; Werther Brunow de CARVALHO; Juliana Fernandez SANTANA e MENESES